Primeiramente,
é preciso esclarecer os dois termos, ou nomenclaturas que precedem os modernos
“Portugal” e “Espanha” (também Andorra e parte da França pirenaica).
Atapuerca,
em Burgos, região de Castilla y León, onde estão localizados os depósitos,
jazidas fossilizadas que são o registro dos primeiros europeus, de 1,2 milhão
de anos, também do Pleitoceno – vestígios do Homo Antecessor e dos Neandertais,
pode ser considerada o embrião dos povos destes países. Bem como as pinturas
rupestres das covas de Altamira na costa cantábrica, hoje patrimônio da UNESCO.
Ibéria
era o território, chamado pelos gregos, que estava situado além dos Pilares de
Hércules (atuais rochas Ábila e Gibraltar, que separam a península da África,
com seu estreito de mar de 13 quilômetros). O historiador Heródoto cita o
topônimo “Ibéria” e o geógrafo Estrabão refere-se à área costeira entre o rio
Ródano e o atual Ebro, até os Pirineus. Na mitologia, Hércules teria tido dois
filhos, Keltus e Iber, que dariam origem aos povos celtas e iberos,
respectivamente, povos que viriam a se fundir, gerando os celtiberos, que
habitavam o local antes da romanização.
A
origem dos iberos tem divergências, dentre as teorias, três explicam
possivelmente de onde vieram. A primeira afirma que seriam povos natos da
Europa Ocidental, cujas semelhanças com os antepassados dos escoceses teriam
evidências nos instrumentos fabricados durante a cultura megalítica, sobretudo
os encontrados em Portugal. A segunda,
afirma que teriam vindo do Cáucaso passando pela Europa central. Já a última
hipótese diz que surgiram no norte da África e possuíam parentesco com os
berberes. As teorias diversas sempre entram em conflito, exaltadas as hipóteses
dependendo da intencionalidade de quem as diz, os que tendem a aproximar a
cultura hispânica da Mediterrânea, preferem a versão de que eram parceiros dos
fenícios e teriam uma suposta unidade com o Norte da África, já os mais
europeístas, preferem afirmar que eram parentes dos celtas. Este último povo
mencionado, conhecido pela farmácia e magia e os lendários druidas, se tem
registro de que seu berço foi em uma região da atual Áustria, também não se
sabe ao certo, outras teorias apontam o Cáucaso, em um local que se estenderia
até a Turquia. Então, os celtiberos seriam a fusão dos povos indígenas do
continente, relembrados pelos nacionalistas ibéricos como os verdadeiros
habitantes da península, antes desta ser romanizada. O único que podemos
afirmar com exatidão quanto ambos povos, é que pertenciam ao tronco
indo-europeu (embora alguns afirmem que os povos palehispânicos eram do tronco
basco, tornando-se indo-europeus apenas depois da miscigenação com os celtas).
Na
Idade do Bronze, desenvolveram a cultura Hallstatt. Sabe-se que louvavam o
touro, animal símbolo até hoje da cultura ibérica, e tinham rituais fúnebres,
como aqueles em reverencia à deusa Dama de Elche, do qual foi encontrado um
busto enigmático para a arqueologia em 1897 na região valenciana.
Antes
mesmo dos registros dos historiadores gregos, os habitantes da península mais
ocidental da Europa eram conhecidos como Tartessos, mencionados inclusive na
Bíblia (que foi escrita muito tempo depois, obviamente), seria uma região rica
em ouro. Lívio referia-se aos Iberos como inquietos e aventureiros, e há quem
afirme que teriam um suposto parentesco com os gregos (porém não é reconhecida
como oficial esta teoria).
Na
mitologia, também dizem que a cidade de Lisboa foi fundada por Ulysses, Odisseu
teria estado no que viria a ser a Lusitânia. Luís Vaz de Camões menciona tal
história reproduzida com toques de nacionalismo pelo povo, em seu poema-mor.
A conquista romana do território inicia-se em 218 a.C,
contra os cantábricos (descendentes dos celtas que vinham da região de
Santander). Para os latinos, como Plínio, “O Velho”, a península foi chamada de
Hispânia, que significa “terra de coelhos”, por ter uma população abundante do
animal (existe a versão do nome não latino, ser de origem fenícia “I-span-ya” –
“terra do norte” – ou seja, ao norte do império talassocrático fenício do
Mediterrâneo) e era dividida em duas províncias; a Ulterior e a Citerior, sendo
a primeira, a região da Lusitânia (atual Portugal) e a última, a Tarraconense.
Posteriormente, alguns também consideram a Mauritânia Tingitana, em território
africano, chamada de Hispânia Transferata.
Uma
região conhecida como Hispânia Nova foi rebatizada como Galécia (atual Galícia)
– Finisterra é o ponto mais ocidental da Espanha e do continente europeu, faz
parte desta província (sem contar as ilhas do Atlântico) – Significa “Fim da
Terra”). Desde então, os termos “ibérico” e “hispânico” designam-se tanto ao
português quanto ao espanhol modernos, e hoje, também para seus descendentes
mundo afora. Portanto, neste livro, serão utilizadas ambas nomenclaturas como
sinônimos, não diferenciando a cultura lusa, e posteriormente a brasileira,
destes últimos.
A
heroica resistência de Numância (em Soria) às tropas romanas, que preferiu o
suicídio coletivo a capitulação no século II a.C e o lendário Viriato, podem
ser indícios de bravura ibérica contra um invasor estrangeiro, mas tão pronto,
esses celtiberos seriam incorporados às legiões de Púbio Cornélio (o Cipião) em
um processo de conversão ao modus vivendi romano que durou quase dois séculos
para a conquista romana de toda a península.
Durante
as Guerras Púnicas contra Cartago (entre os anos 264 a.C e 146 a.C), os romanos
finalmente vencem Aníbal com ibéricos já romanizados em suas fileiras, sob o
comando do grande Cipião, o Africano. A influência cartaginesa se dá
principalmente na atual província de Cartagena, que pertenceu à Cartagonova. Outra
resistência heroica contra tropas foi a de Sagunto, também na região
valenciana, sitiada por Aníbal, o povo preferiu incendiar todos os vilarejos
para evitar a escravidão.
Da Hispânia tivemos grandes
pensadores e estadistas no império romano, o modo de vida estoico, de Sêneca,
originário de Córdoba, em 4 a.C, tutor de Nero, em muito se pode dizer que faz
parte da forma de ser do português e do espanhol, tendente a um ceticismo que
procura ver a vida pela simplicidade e a prudência, trazendo para si a negação
da desmedida, o que por um bom tempo foi um empecilho à adesão do estilo de
vida consumista capitalista. Também destaco Trajano, nascido em 53 d.C, o
imperador que mais expandiu o estilo que se iniciou no Lacio (Latium) por
Rômulo às mais longínquas partes do planeta, conquistando da Gália à Armênia,
às portas da Pérsia, no período de mais esplendor do império, ele era do que
seria o atual sul da Espanha. Foi na península também onde se decidiu a guerra
civil entre Pompeu e César, dando início à Roma como império, pondo fim à
república, com Otávio Augusto após o assassinato de César.
Pode-se dizer que muito antes da miscigenação nas
Américas, os hispânicos já fundiram a sua cultura e incorporaram elementos dos
demais povos que ali passaram. No decorrer de todos aqueles anos, fenícios,
cartagineses, todos tipos de impérios comerciais talassocráticos do
Mediterrâneo e após a queda de Roma, visigodos (que vinham do Báltico, ou há
quem diga que surgiram na Suécia), suevos (estes eram germânicos) e por fim,
árabes e judeus, formaram os espanhóis e portugueses modernos. O ibérico pode tanto ter o fenótipo semita
quanto nórdico, considerado o universo multicultural e étnico mais diverso da
Europa ocidental, muito exótico a um inglês bretão ou um escandinavo de cultura
mais homogênea, seriam os ibéricos um povo semelhante aos balcânicos e eslavos,
assim muitas vezes nem considerados “europeus” de fato, por conta do pé no
oriente que possuem.
San
Isidoro de Sevilla, bispo, expressou em seu célebre Laus Spaniae um espirito
mítico fundador das terras de Espanha: “De todas las tierras que se
extienden desde el mar de Occidente hasta la India, tú eres la más hermosa; Oh!
Sacra y siempre
venturosa España, madre de príncipes y pueblos”. O
bispo de Sevilla, local que já foi a antiga Hispalis, cuja lenda diz ter sido
fundada por Hércules sobre a ocupação dos fenícios, criou um mito fundador do
espanhol como sendo a fusão dos godos com a sociedade pré-romana, o que eu
também acrescentaria os mouros de Tariq, em termos culturais, pois considero a
religião oficial a católica ou cristã em geral, em face dos “estrangeirismos”
muçulmanos que não fazem parte da cultura ocidental. O ocidente foi forjado a
partir do oriente, mas seria uma canalhice histórica querer tratar dos povos
ibéricos como simplesmente “mouros cristianizados” esquecendo da questão gótica
e romana. Desde o III Concílio, a atividade dos bispos era popular, homens da
gente comum, que desempenhavam um papel do confessionário tratando da saúde
mental das pessoas muito antes da psicanálise de Viena, e o registro das
atividades nacionais, bem como o embrião do patriotismo, estava nas descrições
nacionalistas feitas por muitos religiosos, foi Isidoro quem cunhou os nomes
que viriam a ser as regiões (incluindo o atual Portugal), seriam estes: Bética,
Lusitania, Gallaecia, Cartaginense, Tarraconense e Narbonense.
A
origem controversa de Don Pelayo ainda é motivo de discórdia. Para alguns,
seria de linhagem visigoda, mas recentemente o pontam como um caudilho astur,
povo que dá o nome a região de Astúrias. Fato é, que houve uma certa aliança de
ambos, e Rodrigo, o rei dos visigodos, heroicamente resistiu à traição de
Julião, este que levou as tropas árabes de Tariq para além de Gibraltar. Hoje
se tenta fazer um revisionismo visando “orientalizar” a Península Ibérica,
sobretudo a Espanha, legitimando-a como um califado para grupos islâmicos,
sendo que embora seja inegável a contribuição na cultura, idioma e nos genes do
ibérico dos filhos de Alá, tanto a religião quanto o modus vivendi e cosmovisão
latino-ibérica, são tão ocidentais quanto as de qualquer país do norte. Ora,
não podemos dizer que a Grécia, berço da civilização ocidental é um país
“oriental” hoje devido às invasões turcas-otomanas, muito embora atualmente
sejam cristãos ortodoxos, igual aos povos do leste, porém sem dúvidas há um elo
entre os romanizados antigos e os bizantinos, as tentativas de “islamizar” o
ocidente são atitudes políticas e militantes, não necessariamente de “verdades”
empíricas averiguadas.
Al
Andaluz, a Pérsia e Bagdad eram as zonas mais culturais do Império Islâmico,
incorporaram elementos da cultura grega na Espanha e também persas que vinham
do atual Irã. Desenvolveram o papel (papiro, bem como na China e no Egito) os
números indo-arábicos, que foram fundamentais para a ciência. É errôneo achar
que a composição étnica de Al Andalus era homogênia, dentre eles apenas a elite
era realmente árabe, pois entre seus súditos se encontravam magrebinos do
Saara, além de descendentes da Cartago fenícia, já islamizados, judeus e até
eslavos do leste da Europa. Promoviam o que chamam de Razias, ou aceifas;
ataques surpresas e destruição de cidades cristãs, mas é verdade que também
conviveram simultâneas as culturas, como em Toledo, onde tais incursões
destruidoras tiveram tréguas por séculos, até a Reconquista cristã da
Península, que começou partindo do norte. Escritores como Ortega y Gasset
criticaram a noção de “Reconquista”, pois a um processo de quase oitocentos
anos não caberia tal denominação, como algo penado previamente, sendo a cultura
moura assimilada na ibérica posteriormente. O escritor de “España Invertebrada”
também tece crítica aos germânicos na Espanha, que o maior erro de Roma foi
transferir a tal povo a herança do império, porém devo destacar que se não
fosse os visigodos que tomaram o cristianismo na Reconquista, Portugal e
Espanha hoje seriam califados assim como fizeram com o Constantinopla
(Turquia), Irã (que já foi a Pérsia) e a Fenícia (atual Líbano) – pois os
próprios abássidas e omiadas criaram um emirado com capital em Córdoba, que era
independente de Damasco.
Reconhecemos a Batalha das Navas de Tolosa, de 16 de julho de
1212 o início da formação da hispanidade, quando seus combatentes cristãos
começam a invocar Santiago, patrono da Espanha. Nesta ocasião, a dissolução da
centralização do império islâmico em Córdoba deu origem às taifas, pequenas
organizações, quase que partidos árabes, que constituíam uma espécie de
municipalismo, resultando em locais que são hoje Zaragoza e Valência por
exemplo.
É
necessário se escrever gramáticas que ilustram a origem dos povos, não pela
tentativa de se criar mitos fundadores, a justificativa dos nacionalistas
delirantes em se inventar tradições ou heróis para assim manter populações
coesas.
FONTE: VEGA, David “A Hispanidade para o Mundo Lusófono do Século XXI” (2021).