sexta-feira, 29 de julho de 2022

A Origem dos Iberos

Primeiramente, é preciso esclarecer os dois termos, ou nomenclaturas que precedem os modernos “Portugal” e “Espanha” (também Andorra e parte da França pirenaica).

Atapuerca, em Burgos, região de Castilla y León, onde estão localizados os depósitos, jazidas fossilizadas que são o registro dos primeiros europeus, de 1,2 milhão de anos, também do Pleitoceno – vestígios do Homo Antecessor e dos Neandertais, pode ser considerada o embrião dos povos destes países. Bem como as pinturas rupestres das covas de Altamira na costa cantábrica, hoje patrimônio da UNESCO.

Ibéria era o território, chamado pelos gregos, que estava situado além dos Pilares de Hércules (atuais rochas Ábila e Gibraltar, que separam a península da África, com seu estreito de mar de 13 quilômetros). O historiador Heródoto cita o topônimo “Ibéria” e o geógrafo Estrabão refere-se à área costeira entre o rio Ródano e o atual Ebro, até os Pirineus. Na mitologia, Hércules teria tido dois filhos, Keltus e Iber, que dariam origem aos povos celtas e iberos, respectivamente, povos que viriam a se fundir, gerando os celtiberos, que habitavam o local antes da romanização.

A origem dos iberos tem divergências, dentre as teorias, três explicam possivelmente de onde vieram. A primeira afirma que seriam povos natos da Europa Ocidental, cujas semelhanças com os antepassados dos escoceses teriam evidências nos instrumentos fabricados durante a cultura megalítica, sobretudo os encontrados em Portugal.  A segunda, afirma que teriam vindo do Cáucaso passando pela Europa central. Já a última hipótese diz que surgiram no norte da África e possuíam parentesco com os berberes. As teorias diversas sempre entram em conflito, exaltadas as hipóteses dependendo da intencionalidade de quem as diz, os que tendem a aproximar a cultura hispânica da Mediterrânea, preferem a versão de que eram parceiros dos fenícios e teriam uma suposta unidade com o Norte da África, já os mais europeístas, preferem afirmar que eram parentes dos celtas. Este último povo mencionado, conhecido pela farmácia e magia e os lendários druidas, se tem registro de que seu berço foi em uma região da atual Áustria, também não se sabe ao certo, outras teorias apontam o Cáucaso, em um local que se estenderia até a Turquia. Então, os celtiberos seriam a fusão dos povos indígenas do continente, relembrados pelos nacionalistas ibéricos como os verdadeiros habitantes da península, antes desta ser romanizada. O único que podemos afirmar com exatidão quanto ambos povos, é que pertenciam ao tronco indo-europeu (embora alguns afirmem que os povos palehispânicos eram do tronco basco, tornando-se indo-europeus apenas depois da miscigenação com os celtas).

Na Idade do Bronze, desenvolveram a cultura Hallstatt. Sabe-se que louvavam o touro, animal símbolo até hoje da cultura ibérica, e tinham rituais fúnebres, como aqueles em reverencia à deusa Dama de Elche, do qual foi encontrado um busto enigmático para a arqueologia em 1897 na região valenciana.

Antes mesmo dos registros dos historiadores gregos, os habitantes da península mais ocidental da Europa eram conhecidos como Tartessos, mencionados inclusive na Bíblia (que foi escrita muito tempo depois, obviamente), seria uma região rica em ouro. Lívio referia-se aos Iberos como inquietos e aventureiros, e há quem afirme que teriam um suposto parentesco com os gregos (porém não é reconhecida como oficial esta teoria).

Na mitologia, também dizem que a cidade de Lisboa foi fundada por Ulysses, Odisseu teria estado no que viria a ser a Lusitânia. Luís Vaz de Camões menciona tal história reproduzida com toques de nacionalismo pelo povo, em seu poema-mor.

            A conquista romana do território inicia-se em 218 a.C, contra os cantábricos (descendentes dos celtas que vinham da região de Santander). Para os latinos, como Plínio, “O Velho”, a península foi chamada de Hispânia, que significa “terra de coelhos”, por ter uma população abundante do animal (existe a versão do nome não latino, ser de origem fenícia “I-span-ya” – “terra do norte” – ou seja, ao norte do império talassocrático fenício do Mediterrâneo) e era dividida em duas províncias; a Ulterior e a Citerior, sendo a primeira, a região da Lusitânia (atual Portugal) e a última, a Tarraconense. Posteriormente, alguns também consideram a Mauritânia Tingitana, em território africano, chamada de Hispânia Transferata.

Uma região conhecida como Hispânia Nova foi rebatizada como Galécia (atual Galícia) – Finisterra é o ponto mais ocidental da Espanha e do continente europeu, faz parte desta província (sem contar as ilhas do Atlântico) – Significa “Fim da Terra”). Desde então, os termos “ibérico” e “hispânico” designam-se tanto ao português quanto ao espanhol modernos, e hoje, também para seus descendentes mundo afora. Portanto, neste livro, serão utilizadas ambas nomenclaturas como sinônimos, não diferenciando a cultura lusa, e posteriormente a brasileira, destes últimos.

A heroica resistência de Numância (em Soria) às tropas romanas, que preferiu o suicídio coletivo a capitulação no século II a.C e o lendário Viriato, podem ser indícios de bravura ibérica contra um invasor estrangeiro, mas tão pronto, esses celtiberos seriam incorporados às legiões de Púbio Cornélio (o Cipião) em um processo de conversão ao modus vivendi romano que durou quase dois séculos para a conquista romana de toda a península.

Durante as Guerras Púnicas contra Cartago (entre os anos 264 a.C e 146 a.C), os romanos finalmente vencem Aníbal com ibéricos já romanizados em suas fileiras, sob o comando do grande Cipião, o Africano. A influência cartaginesa se dá principalmente na atual província de Cartagena, que pertenceu à Cartagonova. Outra resistência heroica contra tropas foi a de Sagunto, também na região valenciana, sitiada por Aníbal, o povo preferiu incendiar todos os vilarejos para evitar a escravidão.

Da Hispânia tivemos grandes pensadores e estadistas no império romano, o modo de vida estoico, de Sêneca, originário de Córdoba, em 4 a.C, tutor de Nero, em muito se pode dizer que faz parte da forma de ser do português e do espanhol, tendente a um ceticismo que procura ver a vida pela simplicidade e a prudência, trazendo para si a negação da desmedida, o que por um bom tempo foi um empecilho à adesão do estilo de vida consumista capitalista. Também destaco Trajano, nascido em 53 d.C, o imperador que mais expandiu o estilo que se iniciou no Lacio (Latium) por Rômulo às mais longínquas partes do planeta, conquistando da Gália à Armênia, às portas da Pérsia, no período de mais esplendor do império, ele era do que seria o atual sul da Espanha. Foi na península também onde se decidiu a guerra civil entre Pompeu e César, dando início à Roma como império, pondo fim à república, com Otávio Augusto após o assassinato de César.

            Pode-se dizer que muito antes da miscigenação nas Américas, os hispânicos já fundiram a sua cultura e incorporaram elementos dos demais povos que ali passaram. No decorrer de todos aqueles anos, fenícios, cartagineses, todos tipos de impérios comerciais talassocráticos do Mediterrâneo e após a queda de Roma, visigodos (que vinham do Báltico, ou há quem diga que surgiram na Suécia), suevos (estes eram germânicos) e por fim, árabes e judeus, formaram os espanhóis e portugueses modernos.  O ibérico pode tanto ter o fenótipo semita quanto nórdico, considerado o universo multicultural e étnico mais diverso da Europa ocidental, muito exótico a um inglês bretão ou um escandinavo de cultura mais homogênea, seriam os ibéricos um povo semelhante aos balcânicos e eslavos, assim muitas vezes nem considerados “europeus” de fato, por conta do pé no oriente que possuem.

San Isidoro de Sevilla, bispo, expressou em seu célebre Laus Spaniae um espirito mítico fundador das terras de Espanha: “De todas las tierras que se extienden desde el mar de Occidente hasta la India, tú eres la más hermosa; Oh! Sacra y siempre venturosa España, madre de príncipes y pueblos”. O bispo de Sevilla, local que já foi a antiga Hispalis, cuja lenda diz ter sido fundada por Hércules sobre a ocupação dos fenícios, criou um mito fundador do espanhol como sendo a fusão dos godos com a sociedade pré-romana, o que eu também acrescentaria os mouros de Tariq, em termos culturais, pois considero a religião oficial a católica ou cristã em geral, em face dos “estrangeirismos” muçulmanos que não fazem parte da cultura ocidental. O ocidente foi forjado a partir do oriente, mas seria uma canalhice histórica querer tratar dos povos ibéricos como simplesmente “mouros cristianizados” esquecendo da questão gótica e romana. Desde o III Concílio, a atividade dos bispos era popular, homens da gente comum, que desempenhavam um papel do confessionário tratando da saúde mental das pessoas muito antes da psicanálise de Viena, e o registro das atividades nacionais, bem como o embrião do patriotismo, estava nas descrições nacionalistas feitas por muitos religiosos, foi Isidoro quem cunhou os nomes que viriam a ser as regiões (incluindo o atual Portugal), seriam estes: Bética, Lusitania, Gallaecia, Cartaginense, Tarraconense e Narbonense.

A origem controversa de Don Pelayo ainda é motivo de discórdia. Para alguns, seria de linhagem visigoda, mas recentemente o pontam como um caudilho astur, povo que dá o nome a região de Astúrias. Fato é, que houve uma certa aliança de ambos, e Rodrigo, o rei dos visigodos, heroicamente resistiu à traição de Julião, este que levou as tropas árabes de Tariq para além de Gibraltar. Hoje se tenta fazer um revisionismo visando “orientalizar” a Península Ibérica, sobretudo a Espanha, legitimando-a como um califado para grupos islâmicos, sendo que embora seja inegável a contribuição na cultura, idioma e nos genes do ibérico dos filhos de Alá, tanto a religião quanto o modus vivendi e cosmovisão latino-ibérica, são tão ocidentais quanto as de qualquer país do norte. Ora, não podemos dizer que a Grécia, berço da civilização ocidental é um país “oriental” hoje devido às invasões turcas-otomanas, muito embora atualmente sejam cristãos ortodoxos, igual aos povos do leste, porém sem dúvidas há um elo entre os romanizados antigos e os bizantinos, as tentativas de “islamizar” o ocidente são atitudes políticas e militantes, não necessariamente de “verdades” empíricas averiguadas.

Al Andaluz, a Pérsia e Bagdad eram as zonas mais culturais do Império Islâmico, incorporaram elementos da cultura grega na Espanha e também persas que vinham do atual Irã. Desenvolveram o papel (papiro, bem como na China e no Egito) os números indo-arábicos, que foram fundamentais para a ciência. É errôneo achar que a composição étnica de Al Andalus era homogênia, dentre eles apenas a elite era realmente árabe, pois entre seus súditos se encontravam magrebinos do Saara, além de descendentes da Cartago fenícia, já islamizados, judeus e até eslavos do leste da Europa. Promoviam o que chamam de Razias, ou aceifas; ataques surpresas e destruição de cidades cristãs, mas é verdade que também conviveram simultâneas as culturas, como em Toledo, onde tais incursões destruidoras tiveram tréguas por séculos, até a Reconquista cristã da Península, que começou partindo do norte. Escritores como Ortega y Gasset criticaram a noção de “Reconquista”, pois a um processo de quase oitocentos anos não caberia tal denominação, como algo penado previamente, sendo a cultura moura assimilada na ibérica posteriormente. O escritor de “España Invertebrada” também tece crítica aos germânicos na Espanha, que o maior erro de Roma foi transferir a tal povo a herança do império, porém devo destacar que se não fosse os visigodos que tomaram o cristianismo na Reconquista, Portugal e Espanha hoje seriam califados assim como fizeram com o Constantinopla (Turquia), Irã (que já foi a Pérsia) e a Fenícia (atual Líbano) – pois os próprios abássidas e omiadas criaram um emirado com capital em Córdoba, que era independente de Damasco.

Reconhecemos a Batalha das Navas de Tolosa, de 16 de julho de 1212 o início da formação da hispanidade, quando seus combatentes cristãos começam a invocar Santiago, patrono da Espanha. Nesta ocasião, a dissolução da centralização do império islâmico em Córdoba deu origem às taifas, pequenas organizações, quase que partidos árabes, que constituíam uma espécie de municipalismo, resultando em locais que são hoje Zaragoza e Valência por exemplo.

É necessário se escrever gramáticas que ilustram a origem dos povos, não pela tentativa de se criar mitos fundadores, a justificativa dos nacionalistas delirantes em se inventar tradições ou heróis para assim manter populações coesas.

FONTE: VEGA, David “A Hispanidade para o Mundo Lusófono do Século XXI” (2021).

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